Nietzsche, em "Aurora"
“De onde vem
essa desmedida impaciência que atualmente torna o individuo um criminoso, em
condições que explicariam melhor a tendência oposta? Pois, se um homem utiliza
pesos falsos, um outro incendeia a própria casa depois de tê-la segurado acima de
seu valor, um terceiro se envolve na falsificação de dinheiro, e três quartos
da alta sociedade se dedicam à fraude autorizada e se carregam na consciência a
bolsa de valores e a especulação: o que impulsiona essa gente? Não é a autêntica
necessidade, não vão tão mal assim, eles comem e bebem sem preocupação. O que
os constrange, dia e noite, é a impaciência terrível de ver o dinheiro
acumular-se muito lentamente e um prazer e um amor igualmente terríveis pelo dinheiro
acumulado. Mas nessa impaciência e nesse amor monstra aquele fanatismo de ânsia
de poder que em outros tempos foi inflamada pela crença de estar de posse da
verdade, e que tinha nomes tão belos que era possível ousar ser desumano com
boa consciência (queimando os judeus, os hereges e os bons livros e exterminado
elevadas culturas como as do Peru e do México ). Os meios de ânsia pelo poder
mudaram, mas o mesmo vulcão ainda arde, a impaciência e o amor desmesurado reclamam
suas vítimas: o que outrora se fazia “em nome de Deus”, hoje se faz pelo
dinheiro, isto é, aquilo que atualmente proporciona o máximo da sensação de poder e da boa consciência.”