sábado, 4 de outubro de 2014

204 - O DEUS OURO




Nietzsche, em "Aurora"

De onde vem essa desmedida impaciência que atualmente torna o individuo um criminoso, em condições que explicariam melhor a tendência oposta? Pois, se um homem utiliza pesos falsos, um outro incendeia a própria casa depois de tê-la segurado acima de seu valor, um terceiro se envolve na falsificação de dinheiro, e três quartos da alta sociedade se dedicam à fraude autorizada e se carregam na consciência a bolsa de valores e a especulação: o que impulsiona essa gente? Não é a autêntica necessidade, não vão tão mal assim, eles comem e bebem sem preocupação. O que os constrange, dia e noite, é a impaciência terrível de ver o dinheiro acumular-se muito lentamente e um prazer e um amor igualmente terríveis pelo dinheiro acumulado. Mas nessa impaciência e nesse amor monstra aquele fanatismo de ânsia de poder que em outros tempos foi inflamada pela crença de estar de posse da verdade, e que tinha nomes tão belos que era possível ousar ser desumano com boa consciência (queimando os judeus, os hereges e os bons livros e exterminado elevadas culturas como as do Peru e do México ). Os meios de ânsia pelo poder mudaram, mas o mesmo vulcão ainda arde, a impaciência e o amor desmesurado reclamam suas vítimas: o que outrora se fazia “em nome de Deus”, hoje se faz pelo dinheiro, isto é, aquilo que atualmente proporciona o máximo da  sensação de poder e da boa consciência.”