quinta-feira, 26 de abril de 2012

O futebol só ganha com a derrota do Barcelona


A seleção de 82 não perderia de jeito nenhum, pena que o jogo era de futebol

O Barcelona é o melhor time do mundo, mais do que isso, é um dos maiores times de todos os tempos. O jeito de jogar com a posse de bola quase permanente permitindo que os passes sejam cumpridos à medida que são dados é inédito, pelo menos neste grau de eficiência. A equipe comandada por Guardiola tem tamanha noção coletiva que deveria ser inspiração para os socialistas, como argumenta o genial Torero: “o time tem um planejamento central forte, feito por Pep Guardiola, que conhece bem seus recursos naturais e os utiliza de forma racional para o bem comum. Há também uma certa abolição de classes. Não há mais uma separação nítida entre zagueiros, meio campistas e atacantes. Principalmente entre estes dois últimos. Messi pode ser visto na ponta direita e zanzando como volante, Fábregas é um meio-campista mas aparece para finalizar, Dani Alves é um lateral que mais parece um ponta. Assim sendo, obviamente temos a propriedade coletiva dos meios de produção do gol, pois todos podem, e devem, atacar.” Torero inclusive lembra o papel da cidade de Barcelona na resistência a Franco durante a guerra civil, flertando com o anarquismo, movimento presente também no time do Barça: “Quanto à pitada de anarquismo, vem da mobilidade decidida pelos próprios jogadores dentro de campo. Não é “cada um faz o que quer”, como se pensa erradamente sobre o anarquismo, mas um conjunto orgânico, que funciona como um ser vivo, com cada indivíduo se comportando como a célula de um grande organismo.” Portanto, nas palavras do escritor fica claro que o atual fantástico Barcelona não é uma referência apenas de excelência esportista, seu desempenho em conjunto é parâmetro para toda forma de empreendimento, do político ao artístico.
Alguns saudosistas gostam de atribuir ao time do Guardiola à alcunha de “herdeiro do futebol antigo” ou até “vingador da seleção brasileira de 82”. Pensam que o Barça é uma revanche contra o futebol feio e eficiente praticado hoje. Trate-se de uma falsa dicotomia: o caminho mais fácil para a vitória é ter a posse de bola. Além da maior possibilidade de marcar, manter a bola reduz as chances de gol do adversário e o cansa, pondo-o para correr atrás. O futebol do Barça não é parnasiano, alcança seus objetivos pelo caminho que dispõe. A beleza é uma feliz consequência.
Uma estratégia válida
Mas toda essa capacidade encantadora, todo esse talento mágico hipnotizante não provém do uniforme azul-grená. Mais importante do que o como, é o quê joga o Barcelona. Falamos de futebol, e se a sua graça, exuberância e a plasticidade seduzem, é sua imprevisibilidade, humana demasiada humana, que arrebata de paixão.
Só o futebol possibilita ao time inferior vencer mesmo jogando pior. No atletismo o melhor é posto a prova em todas as disputas: quem corre, salta, pula ou arremessa menos é pior. Simples assim. Em outros esportes coletivos como vôlei e basquete, o pior pode até vencer, mas só se jogar melhor, se obter as melhores estáticas. A seleção americana de basquete é a melhor, mas perde, pois joga pior. A diferença técnica presente no basquete e no vôlei se faz presente, no entanto, em um play-off  na melhor de três, cinco ou sete jogos.
O time de Messi perde: tudo é possível
  O Barça é o melhor time do mundo, joga melhor e... pode perder, só porque o jogo no qual é brilhante chama-se futebol. O Barcelona Fútbol Club não precisa de mais conquistas para sua consagração. O futebol precisa se renovar através das surpresas que se superam e fazem do certo o duvidoso e do impossível o destino. Isso possibilita ao esporte ser único, capaz de lições raras. Como outras expressões artísticas o futebol dá vida ao conhecimento, tornando seus ensinamentos mais valiosos que a própria verdade transmitida.
Nada mais didático do que uma belo fracasso aliás, porém tal aprendizado é mais proveitoso para quem tem a capacidade de se reinventar. É o caso do time de Pep, que se reinventou em 1999, em 2004, em 2007 e em 2009, só para ficar nas mudanças recentes. Em todos os casos saindo do ótimo para o fantástico, e deste para o melhor. Se dependesse daqueles saudosistas, meritocratas conservadores, o melhor time do planeta seria ainda o Sheffield United. Não havendo nem o Santos de Pelé ou a Laranja mecânica holandesa, com suas respostas inovadoras fomentadas por derrotas. Só os grandes sabem se remodelar assim, só os maiores não perdem a soberania após os insucessos.
Vencer sendo reconhecidamente mais fraco não torna a vitória mais vitoriosa? Não é o que ensina o mito de Davi contra Golias? Ou as histórias gregas nas quais homens usando a sapiência conseguem derrotar titãs e ludibriar deuses? A derrota faz do gigante menor ou da divindade menos sagrada?Que o Barça seja sempre espetacular, para que quando cair, tombe de pé, dando ao vitorioso um pouco da glória que já possui. Há grandeza em azul-grená suficiente para isso. Sem que haja o choro rancoroso dos conservadores.
Quem é devoto da meritocracia e justiça foi um pouco a forra na bola que Sergio Ramos isolou no Santiago Bernabeu, abrindo caminho para a classificação do Bayern. Prova que os deuses do futebol tem muito de humano nos seus humores: em um dia são alegres provocadores da ordem, para no dia seguinte serem justiceiros implacáveis.
Na copa de 54 primeiro  jogo ocorre o certo, no segudo a história

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Como era gostoso meu francês – Antropofagia, por acaso uma esperança para o Brasil


                Estudos historiográficos recentes tentam responder uma questão geográfica: “Por que os franceses invadiram o Brasil pela Baia da Guanabara?”. Abandonando o “riocentrismo”, percebe-se que não foi a beleza da região ou outro pormenor. A França Antártica foi fundada na beira da baia, pois a incipiente colônia era ignorada pelos lusos, mais interessados em São Vicente, Bahia de Todos os Santos e Pernambuco. O oportunismo francês foi o ponta pé inicial definitivo para o que viria a ser a cidade maravilhosa, um dos símbolos do Brasil. Séculos depois, o Rio de Janeiro teria a sorte de ser o porto escoador do ouro mineiro. O acúmulo de acasos geográficos fez do Rio uma cidade importante. O acúmulo de culturas faz do acaso um fator importante para a história do Brasil.
                Não sabemos se é por acaso ou não que o francês Jean, protagonista de Como era gostoso meu francês, chega por aqui. Sabemos que é por acaso que ele é confundido com um português e, por isso, é capturado e preso pelos tupinambás. O seu destino é a sentença dada aos inimigos: após oito luas, equivalente a oito meses, será devorado pela tribo. Jean, que quando preso pelos portugueses tinha um bola de ferro acorrentada aos pés, logo percebe que o cativeiro nativo é diferente: sem grades, sem correntes, sem confinamento. Não há distinção entre o livre e o condenado, senão o futuro. A sociedade tupinambá, sua prisão, o consome, em todos os sentidos.
                Não é só Jean que é consumido. O espectador é ainda mais rapidamente consumido pelos tupinambás. Pintos, periquitas e peitos saltam aos olhos, a flauta rústica e o idioma guarani surpreendem aos ouvidos (o francês, pelo contrário, não nos espanta, sintomático da submissão cultural). Entretanto não demora muito para naturalizamos a nudez explicita e as palavras estranhas. Como o francês Jean nos deixamos consumir.
                Em 1922, Oswald de Andrade lança o manifesto Pau-Brasil, que, parodiando o canibalismo tupi, prega a antropofagia cultural. Tal movimento consistia em absorver culturas e “vomitar” arte, mais cultura. Não era o que praticava as tribos do Brasil do século XVI, mas seus prisioneiros, sim, praticavam uma espécie de antropofagismo. A miscigenação cultural, com todas as ressalvas do preconceito e intolerância que percorrem toda a história do país, beberia muito dessa fonte ou comeria muito dessa carne.
                O pronome possessivo “meu” no título da película deixa claro que a perspectiva presente é a do nativo, que toma para si o estrangeiro. O exótico não é o “índio” é o europeu, mas o que prevalece é o gostoso. Uma escolha histórica da cultura brasileira: preferir o sabor à posse. O cineasta e historiador Paulo Emílio Sales Gomes falava que “Para o Brasil nada é estrangeiro, pois tudo o é”. Nada é ao acaso, desde que seja tudo gostoso, de preferência banhado em sangue e sensualidade.