quarta-feira, 28 de setembro de 2011

MPB, uma garota – Essa moça tá diferente

            Ontem, 27 de setembro, foi o dia da MPB, a tão querida Música Popular Brasileira. Definir o que é MPB é uma tarefa ingrata. O que é MPB? MPB é um gênero ou uma mescla de vários? Raul Seixas, por exemplo, “fez” MPB?  

 A também prezada Wikipédia diz que “A MPB surgiu a partir de 1966, com a segunda geração da Bossa nova. Na prática, a sigla MPB anunciou uma fusão de dois movimentos musicais até então divergentes, a Bossa Nova e o engajamento folclórico dos Centros Populares de Cultura da UNE, os primeiros defendendo a sofisticação musical e os segundos, a fidelidade à música de raiz brasileira”. O Livro de Ouro da MPB, de Ricardo Albin, por sua vez, aponta o surgimento da MPB nos anos 30.

Não há consenso. Certo é que a MPB teve seu auge nos anos 60 e 70. Contudo, o sucesso era fruto da própria renovação que os músicos impunham a obra. Se considerarmos a data da Wikipédia, mal a MPB surge, ela já é mutante, acatando todos os tipos de influência. Chico, auto-exilado na Itália em 1969 abre seu álbum IV, lançando em 1970, percebendo esse movimento:

                                         

Essa moça tá diferente
Já não me conhece mais
Está pra lá de pra frente
Está me passando pra trás

Essa moça tá decidida
A se super modernizar
Ela só samba escondida
Que é pra ninguém reparar

Chico na Itália observava de longe a absorção de instrumentos e estilos, notadamente a guitarra e o rock. O samba de Chico ainda estava lá, mas perdia espaço gradualmente para o “moderno” que invadia a MPB.  

Eu cultivo rosas e rimas
Achando que é muito bom
Ela me olha de cima 
E vai desinventar o som

Os anos 60, em especial os movimentos de contestação do ano de 68, colocarem em cheque valores arraigados da cultura ocidental. Palavras como “desconstrução” e “desinventar” estavam na pauta do dia. A rosa perdia espaço para o astronauta.

Faço-lhe um concerto de flauta
E não lhe desperto emoção
Ela quer ver o astronauta
Descer na televisão

Essa ruptura na MPB teve destaque com Caetano e Gil nos Festivais da Canção, cuja exibição pela TV atingia todo o país. Pela tela da TV, a MPB mudava sua imagem, ficava de certa forma, mais sedutora

Mas o tempo vai                                          
Mas o tempo vem
Ela me desfaz
Mas o que é que tem
Que ela só me guarda despeito
Que ela só me guarda desdém

Mas o tempo vai
Mas o tempo vem
Ela me desfaz
Mas o que é que tem
Se do lado esquerdo do peito
No fundo, ela ainda me quer bem

Os protagonistas que deixaram a moça diferente, Gil e Caetano, abraçavam a guitarra sem esquecer os ritmos de suas terras nem o tão amado samba de Chico. O álbum Tropicália, como todo o movimento tropicalista, demonstra bem isso: ruptura sem esquecimeto. Se havia um desdém aparente, no fundo a transformação pela qual passava a MPB não renegava Chico, apenas abria um leque de novas concepções. O que sempre favorece os gênios.

Essa moça é a tal da janela
Que eu me cansei de cantar        
E agora está só na dela
Botando só pra quebrar



A moça ficou diferente, no fim das contas, só para poder requebrar. A janela que se abriu permitiu o astronauta entrar, mas na sua mão havia uma rosa ainda.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Palestina e Chile – Uma ligação escondida que o Futebol escancara




A América Latina reconhece na Palestina muitas das suas próprias questões como identidade, soberania e independência. Não surpreende, portanto, que os governos à esquerda da região tenham reconhecido prontamente o Estado palestino. Espanta, dentre esse movimento, a velocidade com a qual o Chile, do direitista Piñera, reconheceu a Palestina, antes mesmo da Venezuela chavista. Isso se deve a relação muito intima entre chilenos e palestinos. Relação que apesar de longa, é escondida pela mídia em geral. Felizmente o futebol a escancara para o mundo.     
                                 
No Chile se localiza a maior comunidade Palestina fora do "mundo árabe". Cerca de 350 mil palestinos vivem atualmente na pátria de Neruda. A migração massiva de palestinos para o país começou nos anos 20, época cuja a “terra santa” era protetorado inglês, o que revoltava tanto judeus quanto mulçumanos. A diferença é que os britânicos só atiravam em um lado (adivinha qual).

Os palestinos, desde então, começaram a se espalhar pelo mundo aleatoriamente. Nesses caminhos obtusos, coube ao Chile ser a nação não-árabe mais acolhedora para os palestinos em diáspora. Os fatores são tão múltiplos e imprecisos que apontar um único seria, pelo menos, simplório. É uma questão parecida com os japoneses e libaneses no Brasil, sem uma razão especifica, chegaram milhares ao país. Ironicamente, a vizinha Argentina tem um caso semelhante com os judeus.

Os palestinos que aportaram no país precisavam de uma instituição que preservasse sua identidade. Em agosto de 1920, na cidade de Osorno, ao sul de Santiago, nasce o Club Deportivo Palestino. Como tantos outros times que jogam pelo mundo, o Palestino nasceu de uma colônia, o detalhe é representar um povo sem terra. A referência não é um Estado-nação consolidado, mas as pessoas que lutam por esse Estado. A Portuguesa não luta por Portugal, o Palmeiras não luta pela Itália; essas equipes apenas representam ou louvam suas origens. O Club Deportivo Palestino faz parte da luta pela Palestina.

Nos primeiros anos a equipe só aceitava jogadores de ascendência árabe. Com o passar do tempo, foi-se incorporando jogadores chilenos e até estrangeiros. O que evidentemente fez o clube dar um salto técnico. Essa escalada culminou na conquista do campeonato chileno de 1955. Se recordarmos que Israel foi criado em 1948 (os árabes chamam o dia da criação de Israel de Nakba, a grande catástrofe) e nos anos 50, removeu e matou centenas de famílias palestinas, podemos ter uma ideia do que representou esse triunfo para o orgulho palestino. Ainda que em terras tão longínquas.

Nem a mais justa das batalhas sobrevive no futebol senão for pautada por conquistas, títulos e craques. O Palestino não tem muitos títulos, é verdade, mas teve o maior jogador da história do Chile.

Em 1977, em uma passagem confusa da história colorada, Elias Figueroa, o melhor jogador chileno da história, um dos maiores defensores de todos os tempos abandona subitamente o Internacional. Foi de forma tão inesperada que a torcida colorada órfã do seu grande craque, vaia impiedosamente seu ídolo no jogo de despedida. O destino de Dom Elias Figueroa foi o Palestino. Como só a conquista é simbólica para os gênios, Figueroa ergue as taças da copa do Chile de 77 e do Chilenão de 78. Mais, a equipe estabelece o recorde de invencibilidade do futebol chileno, que perdura até hoje com 44 jogos sem derrotas. A equipe chega a derrotar o campeão brasileiro a época, São Paulo, em pleno Morumbi pela Libertadores da América. Entretanto, não vence a competição mais importante da América.

La Intifada
Em meio a ditadura sanguinolenta de Pinochet, o gesto de Figueroa e a conquista do Palestino, representaram um brilho de esperança em meio a escuridão ditatorial que sombreava o país.

A torcida, apelidada de “os árabes”, quase viu a conquista do Apertura de 2008, que escapou por entre os dedos da equipe verde, vermelha, branca e preta. A sua maior torcida organizada chama-se “Intifada”, simbolizando a resistência com garra. Hoje, mais do que nunca, o Palestino continua na luta. Seus torcedores são mais cada vez mais apaixonados. Dentre todos os clubes do mundo, o Palestino é que tem a maior torcida, na acepção mais bela que pode existir para a palavra.

                                  
                              A partir de 1:00 tem um rock animal, com uma letra sensacional

domingo, 25 de setembro de 2011

O maior time pequeno de todos - II

  Continuação do post sobre o Nottigham Forest

Evidentemente, um time recém promovido não é favorito para um campeonato que tinha entre seus competidores, os atuais campeões europeus. Mesmo assim, o time conquistou o Inglesão de 77/78, ignorando campeão europeu Liverpool, vencendo-o duas vezes. Feito que repetiu contra Arsenal, Everton e Manchester, este por sinal, levou de 4 dentro do Old Trafford. A campanha do Forest foi incontestável, em uma época que a vitória valia dois pontos, conseguiu ser campeão com 7 pontos de vantagem, sofrendo apenas 24 gols. Nesse campeonato estabeleceu o recorde de 42 jogos de invencibilidade, que seria superado só em 2004 pelo espetacular Arsenal de Henry.  No ano seguinte, 1979, a Europa conheceria o Nottigham. Antes, contudo, a equipe chegou à final da copa da liga inglesa contra o bom time do Southampton. Percebendo que os jogadores estavam demasiados tensos na véspera da decisão, Brian levou o time ao bar que freqüentava e encheu a cara com o elenco: “Melhor ter jogadores bêbados ou de ressaca que ansiosos” 



               Mas o grande feito do Nottigham ainda estava por vim. Depois de uma primeira fase  tranqüila, a Copa dos Campeões colocou frente a frente o campeão Inglês contra o campeão europeu. Liverpool contra Forest foi uma oitavas de final histórica. O time da cidade dos Beatles buscava o tricampeonato da Europa e era favorito, entretanto, o Nottigham estava no caminho. Com duas vitórias por 1 x 0, o Forest eliminou o poderoso Liverpool, nada poderia deter o time rumo ao título europeu. Nem os suíços do Grasshoppers nas quartas e nem o ótimo Colônia nas semis conseguiram parar o time do Clough. Em 29 de Maio, no estádio Olimpíco de Munique contra os suecos do Malmo, o time do Nottigham Forest era formado por: Shilton; Anderson, Clark, McGovern e Lloyd; Burns, Francis, Bowyer, Birtles e Woodcock; Robertson. Com a vitória de 1 x 0 sobre o Malmo, o Forest de Clough dominava a Europa.



O time foi formado por Clough, mas não se limitava só a ele. Os onze da equipe do norte da Inglaterra tinham história para contar também. A começar pelo goleiro Peter Shilton, sucessor de Gordon Banks na meta da seleção inglesa, lugar que ocupou por quase 20 anos. Shilton foi um goleiro ágil e atento, a força do Nottingham começava por ele. Raro são os goleiros que não tem um gol tomado como lembrança, ainda que magníficos. No caso de Peter Shilton são dois e, realmente, inesquecíveis: os gols de Maradona contra a Inglaterra na copa de 82. A zaga tinha no valente John McGoven sua referência. Capitão do time, um feroz marcador, levantou as taças do Forest. Anos antes, McGoven era um estudante universitário, quando foi descoberto por Clough que o raptou e fez trocar os estudos pelo esporte. O meio campo era clássico, mas apesar de leve com Francis e Bowyer era solitário. O ataque ficava por conta, especialmente, de Woodcock e Birtles, já que os centro-avantes da equipe nunca foram estáveis como a dupla. A história de Birtles é um daqueles contos de fada que o futebol proporciona: Garry Birtles era aplicador de carpetes no norte da ilha, quando Brian o viu jogar numa liga de peladas. Birtles custou duas mil libras. Sua trajetória lembra a do também vermelho Leandro Damião.

                                                            Peter Shilton

A magia dos acontecimentos nunca cansa de renovar o futebol. Coube a Birtles marcar o gol da vitória sobre o Hamburgo na final da Copa dos Campeões da Europa de 80, em Madrid. A pequena equipe do norte inglês era bi-campeã européia no estádio do poderoso Real Madrid. Estruturas do futebol estavam abaladas para sempre. Uma revolta contra o poder estabelecido era possível. E ainda o é, nós ensina a história desse time.

Também, ensina o Forest não há fábula que dure para todo sempre. A vida se carrega de levar embora o final feliz. A década de 80 não conheceu um Nottigham tão espetacular, apenas espasmos daquele time vencedor. Tal como para a economia brasileira, foi uma década perdida para o time. A eliminação da Copa da Uefa de 84 para o Anderlecht, em um jogo cujo o árbitro foi comprovadamente comprado, é sintomático da desilusão dos anos 80.                               

Em 89 e 90, o Forest foi campeão da Copa da Liga Inglesa, nessas temporadas o Forest chegou a disputar o título inglês para valer. Entretanto, foi batido primeiro por Liverpool e em seguida pelo Arsenal. Na copa da Liga de 89, o Nottigham participa como coadjuvante da tragédia de Hillsborough. Localizado em Sheffield, o estádio de Hillsborough, foi palco da morte de 96 torcedores do Liverpool, que jogava contra o Forest. A tragédia foi fruto da superlotação, gerada pela irresponsabilidade de dirigentes. Brian Clugh não perdou:”Football holligans? Well, there are 92 club chairmen for a start.” [ Holligans? Bem, temos 92 dirigentes de clubes para começar]

Os anos 80 são de Thatcher, não do Forest


Em 1993, as cortinas do espetáculo se fecham. O Nottigham é rebaixado, Brian Clough sai de cena. Ambos jamais voltariam a ser protagonistas. Porém o time não termina, o Forest continua jogando a segunda divisão inglesa, com boas chances de ser promovido. Se vai conseguir o acesso fica a conferir. Se conseguirá um dia ser tudo que já foi, é difícil, muito improvável.  Poucos times, no entanto, tem em sua história uma lição tão fantástica para o futuro. Falta apenas um novo Brian Clough.   



 "Não quero epitáfios com frases profundas nem nada desse tipo. Eu contribuí com algo. Espero digam isso de mim e, tomara, que alguém tenha gostado"
   Brian Cloug sobre seu legado


sábado, 24 de setembro de 2011

Samba de Orly - Um adeus



O mundo seguia suas turbulências dos anos 60. Enquanto astronautas pisavam calmamente na lua, Toquinho visitava o auto-exilado amigo Chico. Na sua despedida em novembro daquele 69, Toquinho mostra a Buarque um samba sem letra e confessa ser “um samba de saudade mesmo”, uma vez que partiria no dia seguinte de volta a pátria-mãe. A resposta de Chico foi uma canção de despedida.

   

Esse samba feito em parceria celebra desencontro obrigatório entre os dois, amenizado em forma de despedida. Orly é o nome do aeroporto de Paris, lugar de encontros e separações, chegadas e partidas, local também de pegar esse avião. Símbolo daqueles momentos, a música nacional pairando sobre outras terras distantes.

Construção é Top10 da MPB
Segundo o pequeno Toco em entrevista, Francsico teria feito os 4 ultimos versos no exato momento em que foi lhe apresentado o samba, já em tom de despedida:



Vê como é que anda
Aquela vida à toa
E se puder me manda
Uma notícia boa


O restante da letra, Hollanda compôs com Vinicius de Moraes.Até hoje as fontes divergem sobre os seguintes versos fruto da parceria:

Pede perdão
Pela duração                    

 Dessa temporada

Uma clara referência aos 5 longos anos de chumbo dos militares. Contudo,a esses versos existe uma versão alternativa, mãe da divergência histórica citada, ainda mais feroz:

Pede perdão
Pela omissão
Um tanto forçada


Até hoje não foi esclarecido se Chico os escreveu e o ex-diplomata de Ipanema o advertiu sobre a censura ou se foi o contrário com Vinicius o alertando.

Vai meu irmão
Pega esse avião
Você tem razão
De correr assim desse frio, mas beija
O meu Rio de Janeiro
Antes que um aventureiro lance mão

 
Todas as despedidas tem algo parecido: a saudade imediata, o desprendimento  automático, enfim, a dor do momento. Mas todas são de alguma forma únicas. Para marcar essa despedida como fruto do momento político do país, Buarque recorre à despedida mais importante da história do país: o adeus de Dom João IV a seu filho Pedro I. Para dar a noção da importância do Tchau joanino, é necessário recordar alguns acontecimentos anteriores: Com as invasões napoleônicas, o rei e a corte lusitana refugiam-se no Brasil. Aqui, abrem os portos, e criam uma estrutura administrativa na cidade maravilhosa. Após doe anos, uma revolta na cidade do Porto obriga a família real a retornar a terras lusas. É o momento da despedida entre os dons, João e Pedro, Rei e Príncipe mas também, e especialmente, entre Pai e Filho. Restaria a ambos, o sentimento tão luso que impotaram ao Brasil, a saudade.
Sabiam ambos qual seria a inevitável consêquencia dessa despedida. As palavras de João a Pedro foram:“Pedro, se o Brasil se separar de Portugal, toma a coroa para ti, antes que algum aventureiro lance mão dela.”
Até o Rei se despede

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

O Maior time pequeno de todos - I

Quando se contar a história do futebol brasileiro na primeira década do século XXI, será imperativo lembrar o fenômeno São Caetano. Um time pequeno vindo de uma cidade do interior sobe de divisão seguidamente e chega a decisões de torneios nacionais e internacionais em tempo relâmpago. Um feito único na história do esporte? Apenas no futebol brasileiro. Na Inglaterra, uma equipe viveu esse conto de fadas de forma mais intensa, conquistando de assalto a Europa. A história do Nottingham Forest é lendária.

Garibaldi
 O Nottigham Forest já tinha uma história longa, porém discreta no futebol inglês. Fundado em 1865, foi um dos membros fundadores da FA, a federação inglesa de futebol, a primeira do mundo. O clube localizado na cidade de Nottingham, no norte da Inglaterra, foi batizada Forest em função do parque onde pela primeira vez treinou, esse por sua vez recebeu esse nome por conta da floresta de Sherwood. A floresta Sherwood seria o suposto lar do herói bandido Robin Hood, logo aquele que “roubava dos ricos para dar aos pobres”.



O Forest foi um dos primeiros clubes a usar vermelho, cor escolhida em homenagem a Giuseppe Garibaldi herói no Brasil, Uruguai e Itália e fundador dos “camisas vermelhas” que lutaram pela unificação italiana. Em um dos momentos poucos lembrados da vida de Garibaldi, o líder revolucionário passa uma temporada exilado na Inglaterra, onde se torna muito popular entre os trabalhadores. Trabalhadores como os que fundaram o Nottigham. E como os que fundaram o Arsenal, que deve o vermelho da sua camisa ao time do norte do país. Em 1886, o Forest doou um jogo completo de camisas ao recém criado clube londrino.

Robin Wood
 O Forest foi um dos primeiros clubes a usar vermelho, cor escolhida em homenagem a Giuseppe Garibaldi herói no Brasil, Uruguai e Itália e fundador dos “camisas vermelhas” que lutaram pela unificação italiana. Em um dos momentos poucos lembrados da vida de Garibaldi, o líder revolucionário passa uma temporada exilado na Inglaterra, onde se torna muito popular entre os trabalhadores. Trabalhadores como os que fundaram o Nottigham. E como os que fundaram o Arsenal, que deve o vermelho da sua camisa ao time do norte do país. Em 1886, o Forest doou um jogo completo de camisas ao recém criado clube londrino.

A história de um clube é contada inicialmente pelas suas conquistas coletivas, mas só se sustenta a grandeza com os grandes indivíduos que guiam o clube e a torcida à glória. É impossível falar do Santos sem falar de Pelé, ou contar a história do Flamengo sem passar por Zico. No caso do Forest, é a biografia de Brian Clough que se confunde com a trajetória do time vermelho.

Clough foi um goleador clássico nos anos 60. Jogando pelo Sunderland e o Middlebrough, da sua cidade natal, marcou impressionantes 251 gols em 273 jogos. Nessa conta, ainda estão 24 hat-tricks – três gols na mesma partida. A carreira de Brian,no entanto, foi encurtada quando ele tinha 27 anos e sofreu uma ruptura nos ligamentos do joelho, naquela época tal lesão significava pendurar as chuteiras de forma definitiva. Três anos após parar de jogar, Clough começa a trabalhar como técnico, em 1967, treinando o pequeno Deby County. Já no Derby, mostrou que era tão talentoso no banco quanto no campo. Em apenas cinco temporadas o time de Derby sai da segunda divisão para conquistar o campeonato inglês de 1972, com um elenco desconhecido e sem estrelas. No ano seguinte, Clough deu seu cartão de visitas à Europa, quando chegou a semifinal da Copa dos Campeões, sendo eliminado pela Juventus de Dino Zoffi, Altafini “Mazzola” e Fabio Capelo, em um jogo com a arbitragem, no mínimo, suspeita.

Respaldado pela magnífica campanha Brian pediu um aumento, que foi sumariamente negado pela diretoria. A conquista do campeonato seguinte poderia até corroborar a decisão da diretoria, mas a decadência posterior do Derby faz a torcida lamentar até hoje essa escolha “ Seriamos maiores que o Liverpool se Clough tivesse continuado” – é uma opinião recorrente na torcida do County. 

Depois de uma passagem relâmpago de 44 dias pelo poderoso (à época) Leeds United, Brian Clough chega a Nottinhgam, onde ambos teriam suas histórias marcadas para sempre.

Brian Clough, um mito


Era 1975, o Forest estava na parte de baixo da tabela da segunda divisão inglesa, Brian implantou um estilo de jogador que o consagraria: ter uma excelente defesa, mas sem ser retranqueiro. Ao invés disso, manter e tocar a bola. Possivelmente, tal mentalidade venha das derrotas da juventude no Sunderland, o qual era frequentemente derrotado, mesmo marcando muito gols. Em contra-partida ao “kick and rush” predominante no futebol britânico, Brian sentenciava: “Se Deus quisesse que jogássemos pelo alto, teria colocado grama nos céus”. O jeito de jogar do Forest era valorizando a bola no meio-campo, onde antes era um deserto nos campos ingleses. Se hoje isso nos parece óbvio é graças a Clough e seu Forest, que plantaram a semente dos Arsenals, Chelseas e Manchesters que nos encantam atualmente. Com esse estilo de jogo, o Forest conseguiu um difícil acesso para a primeira divisão. A saga estava apenas começando.

Sobra Deus

Para homenagear as vítimas do 11 de setembro de 2001, Obama não pestanejou: leu um salmo. Fez uma referência bíblica, pediu fé em Deus e orações. O democrata segue a linha do seu predecessor republicano que usou o mesmo tom religioso nos momentos pós-ataque. Agora e na hora, os “terroristas” foram tomados como exemplos bem acabados de uma parcela da sociedade sem Deus no coração.

Bart paga
  Ora, lembramos, foi justamente o oposto. Os homens que jogaram os aviões na torre seguiram a longa história da violência em nome de Deus: Por amor ao deus da cruz, os cruzados roubaram e mataram quem acreditava no deus da lua crescente. Cheios de deus no coração, os soldados levavam quem adorava o deus da estrela para campos de concentração. A exuberância de deus no coração autorizou, e autoriza, a expulsão dos palestinos de seu território. É o excesso de deus no coração que permite tacar aviões em prédios e bombas em casas. Foi o excesso de Deus que levou um assassino a atirar em crianças. (Crianças, em geral, têm pouco deus no coração)

Um deles é Nazi

Caim, romance do ateu, comunista e ídolo, Saramago, alivia um pouco a barra de Deus: “A história do homem com deus é a história dos desentendimentos: nem nós os entendemos, nem ele nos entende” Muitos negam essa afirmativa, se dizendo especialistas no entendimento da vontade divina. São os primeiros a empunhar a espada, a dar o primeiro tiro e a seqüestrar um avião em nome do sagrado suicídio. Assim renegam sua humanidade e se aproximam da divindade.

10 anos depois, parece que não mudou: Sobra deus, faltam homens.

Homer cola

Tentativa de uma filosofia melancólica II

Continuação do post sobre Melancolia, de Lars Von Trier

Indiferença, Medo e Hipocrisia - Muitos nilismos

Com a proximidade de mais um dia do apocalipse, em 2012, Von Trier resolve brincar com o tema para tratar de niilismo, angústia e finitude. Assumido leitor de Nietzsche, o diretor escolhe uma parábola universal do filósofo para realizar seu fim dos tempos: “Em algum remoto rincão do universo cintilante que se derrama em um sem número de sistemas solares, havia uma vez um astro, em que animais inteligentes inventaram o conhecimento. Foi o minuto mais soberbo e mais mentiroso da “história universal”: mas também foi somente um minuto. Passados poucos fôlegos da natureza congelou-se o astro, e os animais inteligentes tiveram de morrer. Assim poderia alguém inventar uma fabula e nem por isso teria ilustrado suficientemente quão lamentável, quão fantasmagórico e fugaz, quão sem finalidade e gratuito fica o intelecto humano dentro da natureza. Houve eternidades em que ele não estava: quando de novo ele tiver passado, nada terá acontecido. Pois não há para aquele intelecto nenhuma missão mais vasta que conduzisse além da vida humana” Von Trier materializa esse congelamento em um planeta de cores frias: o Melancolia.

O não dito é sempre eloqüente, ainda mais quando se trata do diretor dinamarquês. Os fins do mundo sempre são noticiados, seja cenas da reação pelo mundo ou uma narração desesperada em um rádio. Em Melancolia, essa ponte com o mundo exterior não existe, essa realidade que quer ser universal é ignorada. A mídia, ou mesmo as outras pessoas, são esquecidas no fim do mundo particular que é criado. “Não existe vida fora da terra” grita a justiça. Não há nem extraterrestres, nem deuses pra socorrer a vida. Ou como diria Raul “Jamais olhei pro céu, meu disco voador além”.  A certeza de Justine é sobre o planeta, mas também é sobre os limites daquela mansão, não existe vida fora dali.


Assim falou Zaratustra aponta três doenças principais no homem moderno: indiferença, medo e hipocrisia. A indiferença à vida fica por conta de Justine, o medo pelo desconhecido aflige Clare. A hipocrisia nos valores e na moral é personificada em John. Von Trier usa uma imagem muito próxima a de Zaratustra.  O Zaratustra de Nietzsche trata a luz da lua como o conhecimento hipócrita. A luz da lua é reflexo apenas, não nos aquece, é distante; não nos toca. Zaratustra quer que o conhecimento seja como a luz solar: nos aquece, faz crescer a vida, abraça. O sol é luz, a lua é sombra. Zaratustra ataca quem quer contemplar o conhecimento sem senti-lo e amá-lo: “Ó hipócritas lascivos e melindrosos! Falta-vos a inocência do desejo por isso agora caluniais o desejo

O melancolia é uma nova sombra. John se apaixona pela luz do melancolia em seu afã científico. John, o dono da mansão, esbanja sua hipocrisia em diversos momentos: “Você [Justine] tem que ser feliz, eu paguei”; joga as malas da sogra fora, mas o mordomo as recolhe; sabe que nada acontecerá, mas se previne com mantimentos. O suicídio de John é o auge da sua hipocrisia. Findada a hipocrisia, sobra a indiferença justa e o medo claro. Contra a razão fria, contra a hipocrisia cientifica racional o Melancolia dança a dança da morte.

Entendendo Hitler para tocar Wagner

Os artistas são um grande perigo quando não estão a servir a moral e virtude geral da sua época. Na atualidade, por exemplo, a virtude da arte é a capacidade de entreter. Mas se conseguem ir além desse espírito do tempo e realizar uma arte soberana, demonstrando força, ascendem centelhas infinitas de revoluções intimas. Caso fracasse, o artista procurará outras formas de expandir suas potencialidades. Aí mora o perigo, que nos diga segunda guerra mundial. Hitler foi o artista frustrado que mais ferozmente se vingou do mundo. A frustração do artista é proporcional ao tamanho da sua ambição. Calculemos, portanto, o tamanho da frustração de Adolf pela sua grandiosa ambição.


Dentre todos os tipos de artistas frustrados, os publicitários são os mais explícitos, vingativos e numerosos. A publicidade é anti-arte, o reverso da criação. Qualquer um que se julgue dotado de uma capacidade diferenciada de expressão busca um meio de exprimi-la. Não há tantos meios quantos desejos. Resta a maneira lúdica que o sistema oferece: propaganda. Publicidade, a salvação dos artistas medíocres e frustrados.

Melancolia é demais para vocês, publicitários. [Até o] Nada é demais para você, publicitário. Nem o nilismo alcança vocês.  Lars entende Hitler, pois entende os publicitários. E mais, compreende o niilismo passivo de ambos. O publicitário mais famoso de todos os tempos foi ministro do governo nazista, Goebles.
Enquanto isso, cavalgam as Valquírias…

Time entende Hiter


quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Festa imodesta e o Nascimento da Tragédia

Para explicar a relação entre os impulsos diversos que atuavam no intelecto helênico, Nietzsche retoma ao um velho mito em o Nascimento da Tragédia. Conta que certa vez o rei Midas captura Sileno, companheiro constante do deus Dionísio, e lhe pergunta “Qual a maior felicidade do homem?” O semideus permanece calado, imóvel e mal-humorado até que forçado pelo rei finalmente fala: “Estirpe miserável e efêmera, filhos do acaso e do tormento! Por que me obrigas a dizer-te o que seria para ti mais salutar não ouvir? O melhor de tudo é para ti inteiramente inatingível: não ter nascido não ser, nada ser. Depois disso, porém, o melhor para ti é logo morrer”
              
  A percepção pessimista da vida, com seus medos, descaminhos e falta de sentido, contudo, não gera um sentimento anti-vida nos gregos. Pelo contrário, tal noção estimula os gregos a criarem e se desenvolverem através dos seus deuses, explica Nietzsche: “O grego conheceu e sentiu os temores e horrores do existir: para que lhe fosse possível algum modo viver, teve de colocar entre ele e a vida a resplendente criação onírica dos deuses olímpicos” 



Dionísio, o deus do vinho, da orgia da e da sensualidade representa, portanto, o homem em seu estado mais primitivo. O culto ao deus é o culto ao próprio corpo, seus seguidores deixavam de lado a linguagem e a identidade para entrar em êxtase com a dança. Quem louvava Dionísio buscava uma fuga da prisão do eu, um caminho para o que há de mais intimo no ser. Seus meios para conseguir eram a música e a embriaguez coletiva. Essa era a resposta aprendida a condição descrita por Sileno.
Ou como canta Caetano em Festa imodesta:            
  
Minha gente
Era triste amargurada
Inventou a batucada
Pra deixar de padecer
Salve o prazer
Salve o prazer
Uma festa imodesta como esta
Vamos homenagear
Todo aquele que nos empresta sua festa
Construindo coisas pra se cantar
 

            
Contudo, esse culto oferecia um refúgio breve. O transe coletivo sentido pelos adoradores do deus os afastavam apenas por um momento do sentimento de isolamento e transitoriedade da vida humana. Sensações que nossa intuição não nos permite escapar. A verdade de Sileno sempre voltava.
                
 Se mergulhar na própria intuição só aumentava a ausência de sentido, como então escapar do terror da verdade? Com a justa medida oposta, glorificando e cultivando o oposto de Dionísio. Através de uma “resplendente criação onírica”, o deus Apolo. Apolo, o sol, deus da ordem, da razão representa o homem civilizado, incorporado no sonho da ilusão de escapar da verdade de Sileno, ainda sabendo que é impossível. O culto apolíneo gera otimismo. A insistência na forma, na beleza visual e na razão vai contra o frenesi irracional dionisíaco. “Apolo, como divindade ética, exige dos seus a medida, e para poder observa - lá, o autoconhecimento. E assim corre, ao lado da necessidade estética da beleza, a exigência do ‘Conhece-te a ti mesmo’ e ‘Nada em demasia’…“
               
Nietzsche deixa claro que mesmo sendo impulsos naturais opostos e autônomos metamorfoseados em deuses, Dionísio e Apolo, são complementares. A partir daí começa sua investigação dessa poderosa conjunção: Que resultados os deuses normalmente separados gera quanto postos frente a frente? Qual é o resultado da “otimização” apolínea do pessimismo dionisíaco? Sendo ainda mais claro, quais efeitos a música dionisíaca tem em relação à imagem apolínea?
                Dionísio canta o silêncio de Apolo. Apolo censura a bagunça dionisíaca, entre afirmação e negação, sobra a vida: 

Tudo aquilo que o malandro pronuncia
E o otário silência
Tudo aquilo que se dá ou não se dá
Passa pela fresta da cesta e resta a vida
           
Os conceitos, as imagens e os sentimentos ganham um significado mais elevado sob a influência da música. A arte dionisíaca, portanto, afeta o talento apolíneo de uma maneira dupla. Primeiro, a música nos incita a uma intuição simbólica do espírito dionisíaco, e, em segundo lugar, dá aquela imagem uma significação suprema. Nietzsche acredita que até o século VII a.C, os gregos não conheciam a verdadeira música, a música dionisíaca; eles conheciam apenas a música tocada por aedos que recitavam os poemas de Homero acompanhados pela cíatra, uma música apolínea. Essa modalidade de música foi assim definida por imprecisão de linguagem, já que manejava apenas as forças plásticas e arquiteturas e som: “enquanto batida ondulante do ritmo” recortava figuras nos tempo. Em termos teatrais podemos dizer que essa música estava mais próxima da sonoplastia atual.

 
A melhor versão de Festa imodesta é do Chico 


Para o filosofo, só mais tarde surge na Grécia a musica propriamente dita, a dionisíaca, que é expressão direta do querer, do prazer e da dor, daquilo que há de abstrato no mundo físico. “A violência comovedora do som” e a “torrente unitária da melodia e o mundo incomparável da harmonia”  são qualidades dessa música em geral tocada por flauta. A força dessa música era capaz de incitar o homem a uma intensificação de suas capacidades simbólicas. Com ela, a vontade, o intimo da natureza encontrava sua expressão corporal completa, na mímica, na dança e no canto cultural em honra ao deus Dionisio, o ditirambo dionisíaco.  “No estado dionisíaco o homem não é mais artista, tornou-se obra de arte: a força artística de toda a natureza para a deliciosa satisfação do uno - primordial, revela aqui sobre o frêmito da embriaguez”. Como já nos adverte no título a tragédia nasce a partir do espírito da música. No momento que o povo grego descobre o poder da musica dionisíaca, seu espírito engrandece e suas realizações se embelezam, “são como rosas a desabrochar na noite espinhosa.”

Acima do coração
Que sofre com razão
A razão que volta do coração
E acima da razão a rima
E acima da rima a nota da canção
Bemol natural sustenida no ar
Viva aquele que se presta a esta ocupação
Salve o compositor popular.


Além da clara influência de Shcopheuner, é possível notar o pensamento do poeta Schiller, que acredita que “certa disposição musical da mente vem primeiro e depois chega à idéia poética”. Tal definição se encaixa perfeitamente na percepção grega da existência a partir da descoberta/invenção da música. Nietzsche chama a tragédia de “uma nova consciência estética” para indicar que a trágica visão grega da não é apenas um modo de pensar o mundo, mas fundamentalmente uma maneira distinta de sentir o mundo, e somente a música pode nos levar a essa sensação.  “O espírito dionisíaco na musica nos faz entender que tudo que nasce deve ser preparado para enfrentar sua dolorosa dissolução. Ele nos força a olhar fixamente o horror da existência individual sem sermos transformados em pedra pela visão”.  Somente através da música podemos enfrentar a terrível mensagem de Sileno. A serena jovialidade dos gregos, seu bem-estar, calma e nobreza no mundo, vêm da compreensão dessa força “entregue” ao otimismo apolíneo. A bela máscara de Apolo escondia “uma horrível profundeza da consideração do mundo e sobre a mais excitável aptidão para o sofrimento” . Os gregos escolheram ilusão apolínea para suportar a vida do mesmo jeito que a natureza age com freqüência para atingir suas metas: o verdadeiro objeto, a possibilidade da vida, é encoberta pela imagem ilusória da arte em direção à qual estenderam a mão.  Os gregos não eram excepcionais apesar de serem músicos embriagados e sim, eram espetaculares, por serem alegres fanfarrões.

A tragédia permite que contemplamos a exuberante monstrusiodade da existeência sem sermos pedrficados


O Botafogo e o 11 de Setembro


       No dia 11 de Setembro de 73, o Chile sofreu um golpe que instaurou a ditadura militar de Augusto Pinochet. O que não se conta muito é que o golpe foi planejado para bem antes naquele ano. O plano era desferir o golpe em abril ou em maio. Mas por que foi só em setembro?             

Naquele ano, o Colo-Colo, clube mais popular do país, montou um timaço e com garra ganhava jogo após jogo na Taça Libertadores da América. A campanha comovia o país e acalentava a população diante do turbulento cenário político. Os militares não podiam dar o golpe, enquanto o Colo-Colo disputasse o torneio. Allende resistia nos pés do time de Santiago. Podemos imaginar que o sonho possível da equipe conquistar a libertadores alimentava o ideal real do socialismo chileno



Mas os militares tinham um trunfo externo. E não eram ainda os caças dos EUA que bombardearam La Moneda naquela manhã de terça em setembro. Não, a carta na manga dos golpistas era o poderoso time do Botafogo. A equipe alvinegra tinha um esquadrão. Jogadores como Zequinha, Dirceu e Jairzinho, compunham o time vice-campeão brasileiro de 72, um dos favoritos daquela libertadores.
          
Os dois confrontos válidos pela semi-final ocorreriam com um intervalo de um mês, primeiro no dia 6 de Abril e o segundo no dia 8 de Maio. Armaram o golpe então para os dias 9 e 10 de Maio. A derrota do Colo-Colo era questão de tempo. Traiçoeiro futebol que destrói o que seria certeza. No primeiro jogo, em uma partida histórica os chilenos derrotam o Fogo em pleno Maracanã por 2 x 1.


Mesmo assim, a esperança traidora dos militares ilegalistas acreditavam na reação do Botafogo. Afinal, além do timaço, bastava para o Botafogo ganhar por qualquer placar no Chile. E se o Colo-Colo ganhou no Maraca, o Fogo poderia perfeitamente ganhar no Nacional.

 O dia 8 de maio de 73, viu um jogo único na história da libertadores. Os brancos eram comandados pelo bigodudo Carlos Caszely, El Rey de Metro Cuadrado(que aposto fantástico!), o maior jogador da história do clube, e um dos maiores do futebol chileno. Carlos tinha um temperamento rebelde sem papas na língua, uma espécie de Edmundo chileno dos anos 70. O Colo-Colo colocou 2 x 0 no placar. No final do 1º tempo, o Bota desconta. Mas a vaga na final estava praticamente garantida. O Golpe teria que esperar.

 Mas aquele Botafogo não se entregou. Em um segundo tempo arrasador a equipe carioca consegue empatar com Fischer. E aos 40 do segundo tempo, Dirceu encarna Didi e acerta um chute magnífico. O chute a mais de 30 metros, sobe, faz uma curva para a direita na frente do goleiro e descai no ângulo oposto. Um dos gols mais bonitos de todas as Libertadores. Uma virada inesperada, mas possível para o Fogo dos anos 70. Do alto da arquibancada, sorriam os generais “O golpe será desferido a tempo, será na data prevista”.
           
A “hincha de los blancos” conseguiu no torneio de 73 um feito inédito até então: lotar todos os jogos. Em cada partida na Libertadores, havia pelo menos quarenta mil fanáticos cantando o tempo todo. Não foi diferente na semifinal. O empate do Botafogo não desanimou a torcida, ao contrário, estimulou o canto desesperado. E por esse desejo, por esse sonho  o time cresce e, finalmente marca. Caszely é o pé que fez o gol, na verdade aquele gol foi da torcida. Como se soubessem que aquele gol adiaria uma tragédia. Quantas tragédias foram adiadas e evitadas por um gol? É um balanço que os historiadores devem ao mundo.


 3 x 3. Jogo mágico.Colo-Colo classificado, golpe adiado. Não poderia ser mais em Maio, o país estava com o time. A esperança vencedora movia os corações chilenos. Porém, o futebol quando vai além da vida com um pé, com o outro se afunda nela. Não há conto de fadas que resista ao gol, a um chute despretensioso que vira gol. Como na vida, o futebol é justo quando distribui suas injustiças. Após os épicos duelos contra o Botafogo, o Colo-Colo perdeu a final para o Independiente, da Argentina.
         
Não sem retardar um pouco mais o golpe. Os dois jogos finais terminam empatados, sendo necessário um terceiro jogo em campo neutro no dia 6 de Junho. Impedindo o Estado de Sitio, exigido pelos militares em 2 de junho. Nesse jogo, disputado em Montivideo, o Colo-Colo perdeu. O sonho acabou. Poucas semanas depois começaria o pesadelo da ditadura. Para quem sabe que o futebol é uma das poucas comprovadamente coisas mágicas do mundo, é certo que um título do Colo-Colo impediria o golpe. A conquista dos Brancos mostraria ao povo chileno que realizações impossíveis eram tangíveis. O Colo-Colo campeão daria a gente do Chile, a certeza que nada é inalcançável, incluindo sua ânsia por igualdade e dignidade. Para o bem e para o mal, o futebol é tão cruel quanto à vida. Fica um alento para os cariocas: o Botafogo fez sua parte. Perdendo.

Allende resistiu até o fim com a ak-47 dada por Fidel  
 
Os gols do jogo épico
      

Tentativa de uma filosofia melancólica - I


         Essa análise critica se destina a quem viu o filme. Logo, os diversos elementos do longa são tidos como dados. Assim, julgo deveria ser todas as criticas: uma observação para dialogar com aqueles que viram a realização. Não é dessa maneira que são feitas as criticas. O que se chama “crítica” presente em cadernos e sites “especializados” é, na prática, guia de consumo. “A arte é espetáculo; o espetáculo precisa do clímax, portanto, não podemos revelar ou abordar certos elementos, do contrário o consumo é desmotivado.” Por essa lógica tacanha, o bonequinho dorme quando não come pipoca. Da sua maneira, Von Trier desmonta essa estrutura de pensamento, seus dois filmes mais recentes, Anti- Cristo e Melancolia apresentam o epilogo já no seu prólogo. O que muda é a perspectiva das cenas iniciais e finais em cada caso.


A melancolia de Freud
        
          Para se falar da Melancolia de Lars Von Trier é preciso observar as raízes que fazem brotar o sentimento título. Não deve ter sido fácil fazer o Anti-Cristo. Mais difícil ainda deve ter sido ver O Anti-Cristo feito, lidar com um filho tão sombrio. O luto do Anti-Cristo inspira a Melancolia. Sentimentos abordados, gerados e intensificados pela obra.

Sobre esses estados distintos, mas semelhantes, Freud escreveu o artigo “Luto e Melancolia” em 1915. Para Sigmund, luto é definido como “a reação à perda de um ente querido, à perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido, como o país, a liberdade ou o ideal de alguém” O sentimento melancólico é parecido, contudo é mais intimo: “A melancolia também pode constituir reação à perda de um objeto amado. Onde as causas excitantes se mostram diferentes, pode-se reconhecer que existe uma perda de natureza mais ideal. O objeto talvez não tenha realmente morrido, mas tenha sido perdido enquanto objeto de amor (como no caso, por exemplo, de uma noiva que tenha levado o fora).” O luto pode ser geral, a melancolia é pessoal. Todos estão em luto, mas a melancolia só abate alguns. Por ser um estimulo externo, uma reação, ”A perturbação da auto-estima normalmente esta ausente no luto”. O luto é uma reação, a melancolia uma ação. O Luto é uma defesa do “eu”, a melancolia é um ataque feroz ao “eu”.  Essa forma de defesa é explorada no Anti-Cristo até as últimas conseqüências. O Anti-Cristo trata da desilusão com o mundo e o aniquilamento do individuo; a Melancolia aborda a destruição do mundo e a desilusão com o ”si próprio”. Ou nas palavras do pai da psicanálise: “No luto, é o mundo que se torna pobre e vazio; na melancolia, é o próprio ego.” Boa parte do trabalho de Freud é sobre o ego e sua primordial função na autonomia do sujeito. Sendo assim, podemos perceber a força da melancolia, uma vez que tão poderosa ela consegue confrontar e vencer o ego. O sentimento melancólico é, portanto, vasto e avassalador, logo, sua representação não pode ser simples e tímida. Não se pode representar a melancolia com um grão de areia ou com uma pedra no caminho, é necessário um símbolo potente, gigantesco e universal… como o casamento.




A chave da compreensão dos conceitos, segundo Freud, é a ambivalência que possuem. A multiplicidade do luto é explorada até o fim no Anti-Cristo. Os vários estados da mãe mostram as várias facetas do luto, ora amorosa, ora odiosa, ora alegre, ora deprimida.

Essas variações se intensificam na Melancolia. O matrimônio, suposto desejo das mulheres, é ridicularizado pela própria noiva. Clare é quem sacraliza o casamento, exigindo a perfeição.  Justine é o desconforto encarnado na situação. Sendo a protagonista da cerimônia seu desconforto se estende a todos no local. Os pais de Justine e Clare representam bem esse mal-estar, contudo cada um a sua maneira: o pai é a serenidade em pessoa, a mãe, a própria severidade. O pai vê a beleza no mundo (todas são Betty, “graciosas” em uma tradução livre), a mãe só enxerga decepção. Ambos representam distintos niilismos. Se a irmãs podem ser vistas de uma perspectiva freudiana, a compreensão da figura  dos pais passa por uma análise yungiana (que não cabe aqui)

A falta de importância do noivo afirma a simplicidade do papel do homem diante de sentimentos femininos tão complexos. Como ocorre no Anti-Cristo, no qual o homem não consegue entender as reações da mulher ao luto. O mesmo ocorre com a incompreensão do noivo perante a melancolia da noiva. Procura razões onde só há sentimentos em conflito. As imagens que carregam demonstram bem isso: ele traz consigo uma imagem bucólica de uma fazenda de macieiras - logo, a maçã e seus múltiplos sentidos – chegando parecer bobo. A imagem dela, por sua vez, é agressiva, quase feroz, uma propaganda com mulheres destruídas em um cenário futurista. A diferença é de 678 para 1 milhão.

A festa é frustrada. O sonho é esquecido. “Por que?” se desespera o noivo. Só Justine sabe, só ela pode saber. Sem dúvida, isso irrita demais quem quer as coisas às claras. O mundo de Justine, que só ela entende, acaba de dentro pra fora. Com Clare seria diferente